ILHAS MARICÁS EXTRA - 01/03/2018




Como este é um dos roteiros mais espetaculares da Região Metropolitana do Rio, além de ser de difícil acesso devido às raras condições de tempo e de mar para realizá-lo, quisemos aproveitar a janela de ondas fracas e probabilidade quase nula de chuva para desencantá-lo de uma forma inesperada na programação do Ecoando. Ou seja, em pleno dia de semana.

Afinal, como vínhamos tentando cumprir esse passeio desde o dia 27 de janeiro sem sucesso e diante da perspectiva de não conseguirmos isso ainda este ano, era pegar ou largar. E pegamos, até porque tínhamos quórum para esta nova tentativa.

Assim, com tudo preparado, chegamos à Praia do Francês (de onde saem as voadeiras para o arquipélago) às 7h em ponto. Mas embarcamos somente meia hora depois, aguardando o Manel voltar da faina de pesca. Este pescador, o mais antigo, experiente e respeitado daquela área, seria o nosso barqueiro, como sempre. Afinal, com aquele mar não se brinca.

Chegamos à Praia da Galheta, já na Ilha Maricá (a maior do arquipélago), às 8h. Não nos demoramos nos preparativos e na preleção, começando a caminhar 15 minutos depois, em direção ao lado sudoeste da ilha.

Ao longo do caminho, íamos apreciando tanto as belezas insulares, quanto aquelas do continente. Embora a visibilidade não fosse das melhores, já que havia uma névoa ao longe, conseguimos identificar as principais montanhas do Rio, de Niterói e de Maricá, entre elas o Alto Mourão e a Pedra da Gávea.

Nas paradas eu ia repassando ao grupo uma síntese da rica história do local, pesquisada durante anos, como as origens do topônimo Maricá, a visita de populações pré-históricas, de índios, de corsários e até de revolucionários – como Giuseppe Garibaldi -, e dos naufrágios ao seu redor.

Contei também a respeito da rica biodiversidade marinha que faz do arquipélago o mais produtivo em pesca embarcada em Maricá, posição esta ameaçada por empreendimentos e projetos de alto impacto ambiental, como o emissário do Comperj, o porto de Jaconé e o descarte de material de dragagem da Baía de Guanabara, sobre os quais também comentei com o grupo. Isso porque, para melhor proteger e valorizar o lugar visitado, é preciso também conhecer criticamente seus problemas.

Aliás, considero importante esclarecer um ponto controverso a respeito da proteção das Ilhas Maricás na categoria Refúgio da Vida Silvestre de Maricá, homologada em 2013 e festejada por muita gente como uma vitória para o meio ambiente.

Na realidade, os 80 hectares de proteção ambiental ganhos com essa lei municipal (referentes apenas à parte emersa das ilhas), foram uma espécie de tentativa de compensação, ao melhor estilo cobertor curto, dos 187 hectares retirados da área marinha protegida da mesma unidade de conservação, em Jaconé, pelo mesmo documento legal. E efetivado de maneira totalmente questionável

Desta forma, mesmo o poder público municipal não sendo o órgão responsável pelo licenciamento de grandes obras, como portos, tal manobra se caracterizou como o segundo sinal verde da prefeitura e do legislativo maricaense para a construção dos Terminais Ponta Negra (TPN. O primeiro havia sido uma lei que alterou o uso do solo na área de residencial para industrial de grande porte, voltado para a construção naval, óleo e gás, portos e similares. Sob medida para os empresários!).

Para quem não o conhece, o TPN trata-se de um projeto bilionário e privado de terminais portuários, estaleiro e empreendimentos de óleo e gás, entre outros, que se pretende o maior terminal de granéis líquidos do Hemisfério Sul, planejado para ocupar área de 573 hectares, no início da Praia de Jaconé. Assim, além de extremamente impactante para o meio ambiente marinho e terrestre, o mesmo também destruiria ou descaracterizaria os beachrocks, monumentos geológicos de extrema importância histórica descritos por Charles Darwin, o pai da teoria da evolução, quando de sua passagem pelo local, em 1832. Sem contar os prejuízos para a pesca, moradores, turistas, veranistas, etc.

Seguindo o script do empresariado e de seus aliados políticos populistas, em janeiro de 2015, o governador Pezão baixou um decreto declarando as áreas para implantação do TPN como de utilidade pública, escandalosamente antes do licenciamento, permitindo assim o desmatamento inclusive de Áreas de Proteção Permanente (APPs) e outras intervenções altamente degradadoras. Na sequência, em julho do mesmo ano, o Inea expediu Licença Prévia, a despeito de todas as irregularidades e incongruências do processo.

Caso o Ministério Público Estadual não tivesse comprado a briga, entrando com uma Ação Civil Pública embasada pelo Grupo de Atuação Especial em Meio Ambiente (Gaema), também em 2015, essa obra megalômana, desproposital e que prejudicaria também a biodiversidade das Ilhas Maricás, já teria recebido a Licença de Instalação e possivelmente estaria a todo vapor. O que importa é que a liminar que impede a construção do TPN devido à importância dos beachrocks, continua de pé, mesmo diante de toda a pressão política. Que continue assim, para o bem da vida marinha, da qualidade de vida e da atividade de pesca artesanal nos litorais de Maricá, de Saquarema e de Niterói.

Voltando à caminhada, chegamos ao farol da Marinha pouco depois das 10h, continuando até o Cemitério dos Mariscos, que alcançamos em meia hora de andança por trilhas de pescadores e por rochas que lembram uma superfície extraterrestre.

Exploramos cada canto daquelas espetaculares formações, aproveitando para lanchar à sombra de um abrigo rochoso. Saímos de lá às 11h30, em direção ao lado nordeste da ilha.

Em determinado momento, vimos um cardume de arraias-chita bem na beirada das rochas, aparentemente se alimentando, uma cena rara e emocionante. No afã de conseguir o melhor ângulo para a foto, este guia se descuidou de uma das mais caras regras de segurança em ambiente remoto e em rochas – a de não correr em terreno acidentado. E acabou levando um tombo.

Segurando uma pesada câmera profissional com as duas mãos e sem espaço para se recuperar da “catação de cavaco” naquele terreno irregular, o resultado não poderia ter sido outro: antebraço direito todo ralado e um mau jeito no mesmo ombro. Por sorte, nada mais além disso, que foi devidamente resolvido com os primeiros socorros. Pena que não houvesse um curativo para o orgulho ferido do guia, este bem grave.

Lição (re)aprendida, reagrupados e recuperados do susto, continuamos o regresso normalmente.

Na chegada à Praia da Galheta, duas participantes preferiram não continuar na segunda etapa da caminhada – a visita à ponta nordeste da ilha. Isso porque o sol e o calor sacrificariam muito quem se dispusesse a encarar esse desafio, além dos obstáculos serem um bocado mais complexos que os do primeiro trecho.

Assim, apenas eu e um participante visitamos as prainhas da Fenda e do Saco, onde chegamos depois de  20 minutos de caminhada. Retornamos depois do banho de mar na enseada da Prainha do Saco pelo mesmo caminho, chegando às 14h de à Praia da Galheta.

A cena era cômica: nossas colegas estavam de molho nas límpidas e cristalinas águas daquela praia, com latas de cerveja na mão (ganhas de outro visitante), nos chamando para mergulhar e rindo sem parar – isso porque as mesmas bem sabiam da proibição de bebidas alcoólicas durante as atividades do Ecoando. No entanto, como já estava no final e não haveria mais nada para se caminhar, tudo bem, consenti que aproveitassem bem daquele presente inesperado (que inveja…).

Ainda demorei a decidir se cairia ou não na água, devido aos ferimentos. Mas, como seria mesmo necessário refazer todos os curativos, relaxei e compartilhei com o grupo aquele momento raro de relaxar numa praia remota, límpida, praticamente deserta e em pleno dia de semana. Prova de não é preciso ser rico para desfrutar de alguns privilégios.

Reembarcamos na voadeira do Manel às 15h, como o combinado. Mas, ao invés de pegarmos a direção da praia, o barqueiro nos deu a canja de passar por entre as Crioulas, lajes negras que ficam no lado nordeste do arquipélago, enriquecendo ainda mais um passeio inesquecível.

Na arrebentação, surfamos sobre a maior onda da série, pousando quase suavemente nas areias da Praia do Francês, 20 minutos depois, sãos e salvos.

Desencantávamos assim, a tão esperada visita às Ilhas Maricás. E eu, relembrava a duras penas, depois de mais de 30 anos orientando caminhadas ecológicas, um de seus ensinamentos mais basilares: o de não descuidar jamais da própria segurança, e não apenas a do grupo! Afinal, ambas estão intimamente ligadas.

Abraços,

Cássio Garcez
Coordenador




Comentários

Postagens mais visitadas