CIRCUITO CAPOABA-ALTO DO GUYÁ - 22/09/2018





A primeira caminhada do Ecoando nesta primavera se deu num dia inicialmente neblinoso, passando a claro, sem a mínima chance de chuva. Começamos a caminhada no sítio do Carlinhos e da Jô, nossos anfitriões por aquelas bandas, por volta das 8h.

Seguimos em direção ao lado oposto de onde costumamos subir a Serra de Itaitindiba, no local chamado Capoaba - topônimo nada edificante, que traduzido do Tupi, significa: "lugar onde se evacua". Teria sido este um banheiro dos primeiros habitantes da região?

Nesse trecho inicial, caminhávamos por estradinhas e pastos que em nada lembravam que estávamos no populoso e caótico município de São Gonçalo, que possui mais de 1 milhão de habitantes.

Assim, passávamos por lavouras de aipim, de laranja e de quiabo, além de criações de gado de corte, grande parte delas pertencentes à Fazenda Santa Edwiges. Em determinado momento, passamos por três caçadores, o que comprovava que o lugar não apenas possui fauna silvestre, como também se ressente da falta de fiscalização ambiental. E isso numa das últimas áreas que ainda guardam alguma lembrança de natureza mais próxima da original, em São Gonçalo...

Às 9h20, começávamos a subida da serra, primeiramente por uma macega, depois por um dos trechos mais preservados de todo o percurso. Neste, onde há uma floresta altamente biodiversa, encontramos muitos espécimes de pau-brasil, pau-ferro e outras espécies clímax.

Segundo a bibliografia, este local e talvez a própria trilha onde caminhávamos fez parte de um caminho centenário, trilhado desde o século 16 por índios, colonizadores e ninguém menos que o jesuíta e santo da Igreja Católica, José de Anchieta.

A subida deste percurso às vezes era mais suave, às vezes mais íngreme. De vez em quando saíamos em algum mirante, com vistas para as baixadas gonçalenses, a Baía de Guanabara e a Serra dos Órgãos, entre outros atrativos (como orquídeas sumarés totalmente floridas), onde parávamos para descansar e aproveitar a beleza das paisagens.

Chegamos ao Alto do Guyá, o ponto culminante de São Gonçalo (para alguns, com 500 metros de altitude, para outros, com 534 m), pouco antes das 13h. Ali visitamos os três marcos geodésicos que sinalizam a tríplice divisa entre os municípios de São Gonçalo (a noroeste), Itaboraí (a nordeste) e Maricá (a leste e sudeste).

Curiosamente muito pouca gente que visita o local sabe que esta elevação onde acabáramos de chegar é o ponto culminante verdadeiro daquele primeiro município. Grande parte dos visitantes acha que o mesmo se localiza num contraforte, a poucos metros dali, onde há uma pedra ampla que às vezes é utilizada como rampa de voo livre.

Outro ponto controverso deste cume, diz respeito ao seu nome. Embora o topônimo oficial seja o que utilizamos (Guyá, que significa gente da mesma raça, em Tupi-Guarany, leitura esta embasada pela bibliografia), a elevação também é conhecida pelos nomes: Gaia, Guaiá, Goya, Guia e outros próximos. Aliás, os próprios gonçalenses parecem preferir Gaia (nome de uma deusa grega que nada tem a ver com a história local) a qualquer outra versão. Tomara que um dia essa celeuma seja resolvida pelos historiadores locais, o que poderá permitir a ampla adoção do significado original e mais ligado às suas raízes históricas e antropológicas.

Depois de tirar muitas fotos no verdadeiro cume, descemos até o tal "Falso Guyá", por trilha bem íngreme e intimidadora para quem não está acostumado com altas inclinações. Ficamos mais algum tempo lá, curtindo as vistas que realmente são as melhores de todo o trajeto.

Em cada ponto de interesse, eu ia repassando informações multidisciplinares ou interdisciplinares sobre a região, como a riqueza paleontológica de São José de Itaboraí, a história da Revolta da Cachaça, em São Gonçalo, a uberdade das terras gonçalenses no cultivo da cana de açúcar e alimentos, a formação geológica da Baía de Guanabara e da Serra dos Órgãos, entre outros causos fundamentados pela ciência e a historiografia oficial. Afinal, caminhada ecológica de verdade também é cultura.

Começamos a descida pouco antes das 14h, sob um sol digno de verão. Ainda chegamos a parar na Pedra Rachada, conjunto de matacões que se fenderam sob as forças do intemperismo de milhões de anos, criando assim um cenário de filme de catástrofe. E que também poucos visitantes conhecem, por estar localizado ao lado do caminho, escondido de olhares mais distraídos.

Meia hora depois, atravessávamos o trecho de estrada escavado à dinamite na rocha, supostamente para a construção de um hotel no alto da serra, segundo moradores.

Chegamos de volta ao sítio do Carlinhos, por volta das 15h30. Lá estavam nos aguardando uma panela de aipim colhido ali mesmo, que desmanchava na boca. Quem podia beber, tomou uma cerveja estupidamente gelada, encomendada mais cedo ao anfitrião. E usufruímos da simpatia e da hospitalidade daquele casal que vive num local surpreendentemente isolado, tranquilo e bonito para um município como São Gonçalo. E aparentemente seguro, apesar dos ecos da violência em povoados vizinhos.

Deles ganhamos outros produtos da terra, colhidos na hora e doados com alegria por nossos anfitriões, como quiabo, giló, pimentas variadas e tomates-cereja. Além é claro de comprar aipim para fazer em casa!

Saímos de lá no final do dia, voltando para casa satisfeitos com atividade tão rica e companhia tão especial. Nossos agradecimentos a quem participou e especialmente ao Carlinhos e Jô.

Até a próxima trilha!

Abraços,
Cássio 



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