CIRCUITO CORDEIROS-CAPOABA-CASSOROTIBA 01/05/2019




Depois de nos encontramos em frente a uma lanchonete, na rodovia Amaral Peixoto, continuamos em comboio até o início da caminhada, em Santa Paula, Maricá.

Lá deixamos os carros estacionados em local seguro, prosseguindo pela Estrada de Cordeiros, que ligou antigas freguesias entre o que hoje é São Gonçalo e Maricá. Dentre elas, a de Cordeiros.

Na subida até a cumeeira que limita os dois municípios, passamos por pelo menos três passarinheiros, que sequer se intimidaram com a nossa presença. Os mesmos estavam com arapucas armadas ao lado de gaiolas, ocupadas com o que me pareceu ser coleiros. Crime ambiental covarde e anacrônico, de profundas raízes culturais e de difícil erradicação.

Minha vontade era de dar uma dura nesse pessoal, no meu direito como cidadão mesmo, mas eu nem podia pensar nisso, pois assim a segurança do grupo estaria sendo colocada em risco. Sem contar o estresse que isso ocasionaria, ainda mais num início de caminhada. Mesmo assim, não me furtei de inventar para eles que tinha visto a (polícia) "florestal" em Inoã, na tentativa de pelo menos afugentar aqueles sujeitos dali.

Passada essa desagradável situação, lá em cima mostrei ao grupo o marco de pedra lavrada com as iniciais "F.R." e a data de 1847, na mesma hora em que um grande grupo de ciclistas se reuniu ali, para seguir em direção oposta à nossa. Curioso notar que embora esse pessoal pedalasse ali há anos, eles desconheciam essa informação.

Ali também aproveitei para contar sobre a história deste e de outros caminhos que foram utilizados por colonizadores, índios, catequizadores (como Anchieta) e tropeiros. E os quais ganharam mais importância e melhoramentos com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, devido ao crescimento repentino da população e a consequente necessidade de escoar a produção agropastoril de regiões como Maricá para a Corte.

Explanação inicial feita, partimos para o trecho mais fechado de todo este roteiro, que é exclusivo do Ecoando e resultado de seu investimento em inovação e renovação de trajetos. O mato estava tão crescido que quase trancava a passagem, dificultando tanto a subida quanto a descida dos morrotes.

Felizmente, depois de meia hora de caminhada, alcançamos pastos bem mais baixos, que não apenas aliviaram a caminhada, como também descortinaram belas vistas tanto de Maricá quanto de São Gonçalo e arredores.

Depois de algum sobe e desce por vales que mais lembravam zonas rurais da região serrana, chegamos ao topo de morro com as vistas mais abrangentes do percurso. Lá de cima, de um lado, víamos praticamente toda a extensão do Vale de Cassorotiba, as Ilhas Maricás, o bairro de Inoã, as pedras de Itaocaia e do Elefante, a Garganta do Calaboca (a qual contei a história dessa denominação ao grupo) e a parte nordeste da Serra da Tiririca (onde se encontra o Túnel Ferroviário da antiga Estrada de Ferro Maricá).

Do outro, víamos montanhas cariocas (como o Pico da Tijuca e o Sumaré), bairros gonçalenses e itaboraienses (como Ipiíba, Santa Isabel e Cabuçu), o fundão da Baía de Guanabara e a APA de Guapi-Mirim, a Serra dos Órgãos e o Alto do Guyá ou do Gaia, ponto culminante de São Gonçalo.

Sobre esta última elevação, inclusive, lembrei ao grupo que estávamos caminhando desde a chegada à cumeeira da Serra de Itaitindiba, na APA que fora criada há quase um ano com o nome de Gaia (sinônimo de Guyá, que significa gente da mesma raça em Tupi-Guarani, e que é o topônimo original para aquela elevação) pelo executivo daquele município, seguindo recomendações do Ministério Público.

Embora o sol estivesse forte, uma brisa fresca nos permitia lanchar e descansar naquele camarote natural, sem maiores problemas. Nem praticantes de enduro de moto atrapalharam nossa paz, por estarmos fora de sua rota naquele ponto (chegou a passar um grupo de motoqueiros bem abaixo de nós, sem sequer se aproximar).

Continuamos a caminhada agora por estradinhas da centenária Fazenda Santa Edwiges, que atravessam remanescentes florestais e pastos. E que quase não nos deixavam acreditar que estávamos no superpovoado município de São Gonçalo.

Por volta das 12h, chegávamos ao cume de outra das maiores elevações do percurso, praticamente colada ao Alto do Guyá. Ali deixei o grupo fazendo um segundo tempo de lanche, enquanto ia reconhecer o trajeto adiante.

Isso porque, estávamos andando em locais de mato bem fechado, pouco utilizados até por mateiros e os quais eu não visitava há tempos. Daí, era esperado - e avisado previamente ao grupo - de que o guia teria que eventualmente fazer essas explorações rápidas, de modo a orientar os participantes pelas vias menos problemáticas e mais seguras. E que poderia demandar mais tempo, idas e voltas, novas tentativas, e até o uso de facão. E foi o que aconteceu.

Escolhido o melhor trajeto e relembrado ao grupo que mesmo sendo ele bastante adverso, ainda seria melhor que a segunda opção (a de se caminhar e subir mais, para somente então descer), começamos a descida na macega íngreme com todo o cuidado, até entrarmos uma matinha bem preservada de encosta e menos inclinada.

Nesta, embora a trilha inicial estivesse bem marcada, ela sumia totalmente daí uns 300 metros antes do pasto localizado no Vale de Cassorotiba, nosso próximo objetivo. Por isso, tivemos que fazer algumas idas e vindas em busca do traçado no solo, o que foi inútil. A trilha havia desaparecido completamente, devido certamente ao seu desuso.

O jeito foi retornar até o local onde havia o último sulco identificável da trilha no solo, deixar o grupo estacionado (e na medida do possível acalmado) e fazer o esquadrinhamento da conexão com a saída daquele labirinto de mato.

Mesmo tendo a situação sob controle, era evidente e compreensível o estado de tensão de alguns participantes, especialmente os estreantes (que eram muitos àquele dia!), assim como algumas pessoas que já demonstravam um certo cansaço.

De qualquer forma, avaliei que já havíamos passado do ponto de não retorno, descartando por isso o "plano C" (que seria uma eventual volta pela mesma trilha da vinda, caso a passagem ficasse totalmente bloqueada pelo mato e insegura), que eu também havia alertado ao grupo logo no início ser uma possibilidade.

Isso porque, por pior que estivesse o trajeto adiante, ele ainda deveria ser melhor escolha do que a mesma trilha de volta, seja no que se refere ao estado físico ou emocional de grande parte dos participantes, seja no melhor investimento de energia.

Enfim, era chegada a hora de sacar o facão, de aguçar ainda mais a sensibilidade mateira e de colocar em prática as melhores técnicas de caminhada em mato fechado, desenvolvidas durante décadas dentro e fora do Ecoando, para tirar o grupo da forma mais segura e rápida daquela situação

Antes de me embrenhar no mato, porém, instruí os participante a não saírem do local onde eu os havia deixado, por segurança, só então seguindo sozinho e com toda a cautela pela rota que eu intuía ser a correta.

Daí, em menos de 10 minutos (!) de batidas certeiras e econômicas de facão (para evitar impactos ambientais desnecessários), se abria à minha frente o tão esperado pasto! Para antecipar a boa nova e atenuar o quanto antes o estresse do grupo, liguei imediatamente para o celular de uma participante. Quase deu para ouvir: "ufa, estamos salvos!", ou: "que bom que não foi preciso ligar para os bombeiros...".

Mais uma vez reunidos, descemos pela picada recém-reaberta até entrarmos no tão desejado pasto, às 13h30. Mas agora todos rindo novamente, tirando fotos e brincando, como antes de darmos de cara com a barreira de mato. Que ótimo aprendizado sobre a forma como cada um lida com o imponderável, com situações de estresse e com o grau de confiança no outro!

Levamos uns 5 minutos para atravessar a pastagem e a cerca de arame farpado que a separava da Estrada de Cassorotiba, via de terra que oferece visões abertas e muito parecidas com algumas paisagens de cerrado. Tanto que não é raro ver seriemas naquelas paragens, embora o bioma seja o de Mata Atlântica, mesmo que restrita aos morros.

Caminhamos por essa estrada até os carros, passando pelo centrinho urbano de Santa Paula, que está crescendo bastante com o asfaltamento que a prefeitura de Maricá vem colocando em suas ruas.

Fechamos o circuito às 14h30, sãos, salvos e com mais autoconhecimento do que no início. E, algumas pessoas, com um alívio tremendo!

Até a próxima trilha!

Abraços,

Cássio Garcez
Coordenador

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