CIRCUITO MORRO DO CAIXÃO-BREJO DO ESPINHO - 25/05/2019




O dia amanheceu fresco e com muitas nuvens, além de probabilidade nula de chuva e uma previsão de ventos fortes que felizmente não se concretizou. Ou seja, condições ideais para um roteiro tão aberto quanto este.

Iniciamos a caminhada por volta das 8h40, num dos últimos loteamentos antes da divisa de Arraial do Cabo com Araruama, a oeste, andando por uma praia lagunar que, em determinado ponto, começa a ser conhecida como Lagoa Azul (embora a cor da água da Lagoa de Araruama estivesse mais para marrom do que azul, resultado do aumento da poluição e das fortes chuvas que vinham caindo nas últimas semanas).

Era possível observar muitos laguinhos de águas vermelhas, devido ao ácido úmico (liberado pela matéria orgânica na água), nas áreas acima da praia, cheios mesmo depois de passada uma semana do último temporal. Constataríamos situação semelhante nas depressões da restinga do Morro do Caixão, cenário raro, de grande beleza e muito didático no que se refere aos serviços ambientais prestados por estes ecossistemas, como na regularização hídrica (a "esponja" natural que absorve a água de enchentes e a armazena no subsolo, evitando assim os prejuízos dos alagamentos de áreas urbanas).

Às 9h30, adentrávamos o corredor arenoso entre dunas recobertas de vegetação de restinga onde, além de nos encantarmos com tanta beleza e com agradáveis surpresas, também trocamos informações sobre componentes naturais muito interessantes.

Entre esses, estavam um ouriço-caxeiro dormitando num arbusto, sambaquis, um lagartinho-branco-da-praia (Liolaemos lutzae, espécie endêmica das restingas fluminenses, ameaçada de extinção), muitos cactos cabeça-de-frade, aves não reconhecidas no Brejo do Pau Fincado, a visão do oceano, de um lado, e da Lagoa de Araruama, de outro, e muito mais.

Interessante notar que, mesmo com toda essa riqueza ambiental, ecológica, cênica, histórica, pré-histórica, cultural e geológica, pertencente ao Parque Estadual da Costa do Sol (PECSOL) e à APA de Massambaba (unidades de conservação sobrepostas), esta e outras áreas da restinga estão não apenas ameaçadas de descaracterização, mas sob intenso ataque - seja de invasores e seja de especuladores imobiliários.

Os primeiros vão literalmente comendo a área preservada pelas beiradas, se utilizando da queima da vegetação, cercamento de lotes e construção de barracos - naquilo que é conhecido como "kit invasão". Já os segundos, vêm conseguindo licenciar projetos imobiliários absurdos e impensáveis para o local, como um Ecoresort composto de hotel e de dezenas de bangalôs em plena área do PECSOL - cuja licença prévia já foi aprovada escandalosamente pelo próprio Inea, o órgão gestor das duas unidades de conservação que protegem a área. Algo difícil de se acreditar e que extrapola qualquer explicação razoável.

No ponto extremo da duna que avança mais para o sudeste, a maior de todas e que dá nome ao roteiro, paramos para contemplar aquela paisagem magnífica e também para lanchar. Isso porque o sol estava bem filtrado pela nuvens, que às vezes faziam sombra plena, além do vento fresco soprando do mar. Se não fosse assim, não teríamos conseguido ficar sequer 15 minutos ali, devido à alta exposição ao sol e ao calor que costuma fazer nesse local. Desta forma, conseguimos ficar o dobro desse tempo neste lugar de paz e de beleza cênica infinitas.

Em determinados momentos, eu repassava informações sobre ecologia, história, pré-história, formação geológica, curiosidades e causos. Como sobre o blimp (espécie de dirigível) que foi usado durante a Segunda Guerra Mundial em Arraial do Cabo, por soldados norte-americanos que faziam o patrulhamento anti-submarinos nazistas nesta região, e que se chocou contra os paredões da Ilha do Cabo Frio - a qual víamos nitidamente a leste. De vítima, somente o dirigível, cujo revestimento em seda acabou virando velas para barcos, vestidos para mulheres e outras peças de roupa para os pescadores de Arraial.

No retorno, em direção ao Brejo do Espinho, o grupo concordou em caminharmos por uma faixa recentemente e ilegalmente aberta pela Enel na restinga, ao longo da RJ-104, para instalação de cabeamento subterrâneo. O mesmo, segundo pudemos apurar, foi feito sem licença do Inea, que por isso aplicou multa e medidas compensatórias (que obviamente não compensarão o que foi perdido).

Durante essa caminhada, pudemos constatar o estrago. E, às vezes, nos aproximávamos bastante da estrada, que estava com um movimento que eu nunca tinha visto no local - e isto num sábado nublado, fora de temporada e distante de feriados. Num desses momentos, passou uma patrulhinha da PM que freou bruscamente ao nos ver, dando uma longa marcha a ré para nos abordar. Me antecipei à intervenção indo ao encontro dos policiais, que se mostraram bastante preocupados com nossa segurança, devido ao crescimento, segundo eles, do tráfico de drogas na região. Agradeci a preocupação e esclareci que conhecia as áreas de risco dali. Mas fiquei preocupado com a hipótese de os participantes terem deixado de se sentir seguros a partir de então - o que não aconteceu, segundo relato posterior dos mesmos, felizmente.

No ponto de acesso ao Brejo do Espinho, atravessamos a estrada e fomos caminhando pela bela estradinha até este verdadeiro laboratório de história natural, em função da existência de cianobactérias, fósseis vivos que vêm fazendo fotossíntese e a deposição de dolomita em processo semelhante ao que ocorreu há mais de dois bilhões de anos - e que tornou a atmosfera terrestre respirável e propícia ao aparecimento de outras formas de vida mais evoluídas.

As informações passadas por este guia a esse respeito, foram chanceladas pela professora doutora Ana Angélica Monteiro de Barros, que era uma das participantes. "Ufa, passei no teste", pensei comigo mesmo...

No entanto, como já era esperado, o nível das lagoas que formam o Brejo do Espinho estava alto demais, alcançando o limite dos cômoros (dunas) e transformando-as numa lagoa só. E, como ninguém desejava molhar os pés àquela hora, desistimos de tentar chegar à praia oceânica, o que encurtou o trajeto total em pelo menos 3 quilômetros.

Assim, retornamos pela estradinha, atravessamos a rodovia e adentramos a outra parte da restinga, a única que ainda toca preservada as águas da Lagoa de Araruama em todo o seu perímetro.

Ou seja, um verdadeiro e singular testemunho das feições cênicas, geomorfológicas, ecológicas e fitológicas da região em décadas passadas, certamente séculos e quiçá até milênios. Na realidade, um tesouro de valor inestimável, mas extremamente ameaçado de desaparecer nos próximos anos, caso as autoridades não intensifiquem suas ações em fiscalização, salvaguarda efetiva do patrimônio preservado (através da inclusão desse polígono no PECSOL, por exemplo, que, por incrível que pareça, ficou de fora dessa unidade de conservação!), exemplar penalização de infratores/criminosos ambientais e recuperação das áreas degradadas.

Neste labirinto de caminhos arenosos, tivemos que ir tateando para achar um dos poucos acessos à lagoa. Para evitar as idas e vindas com o grupo, deixei os participantes estacionados próximos à faixa de vegetação que nos separava das praias lagunares e fui buscar a passagem até elas.

Nessa busca, encontrei uma área recentemente incendiada, provável obra de invasores, que poderiam inclusive estar por ali. Dei meia volta e fui ligeiro na direção contrária, para evitar problemas.

Daí, em pouco tempo, achei um espaço que nos permitiu passar espremidos e em segurança (além de causarmos mínimo impacto ambiental) entre arbustos, cactos e bromélias. Se abria diante de nós a Lagoa de Araruama, em cenário grandioso que lembrava um pouco o que devia ser a paisagem original desse ambiente. Paramos um tempo para apreciar a beleza e a singularidade dessa visão.

Pouco depois das 13h, substituímos nossas botas de caminhada por papetes ou sapatilhas náuticas, para enfrentar os trechos aquáticos. Isso porque, além de o nível da lagoa estar mais alto que o normal devido às chuvas, haveria locais onde a água toca diretamente o talude arenoso - especialmente onde ocorrem beachrocks (formações geológicas formadas por sedimentos consolidados devido à interação do lençol freático com a água salgada, verdadeiros testemunhos da elevação do nível da lagoa e do mar há milhares de anos).

Levamos meia hora nessa caminhada semi-aquática de grande beleza, riqueza de temas e prazer. De volta à Lagoa Azul, continuamos a caminhada pela beirada da praia até o ponto de partida, onde terminamos o percurso de aproximadamente 9 quilômetros, às 14h30.

Esticamos até o restaurante que ficava a poucos metros de onde estávamos, para almoçar e brindar atividade tão rica.

Nossos agradecimentos ao grupo, por ter permitido a realização desse passeio.

Até a próxima trilha!

Abraços,

Cássio Garcez
Coordenador

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