TRAVESSIA THEODORO BOCA DO MATO- - 10/08/2019 (adiado de 6/7/2019)




Começamos a caminhada atrás do Posto da Polícia Rodoviária de Theodoro, por volta das 8h40, trilhando em aproximadamente uma hora e meia o trecho da rodovia desativado na década de 1970, hoje engolido pela mata. A temperatura estava bem agradável, o dia claro e as paisagens límpidas. Tanto que víamos em detalhes as antenas localizadas no contraforte mais próximo do onipresente Pico do Caledônia.

Em locais onde havia remanescentes rodoviários - como faixas duplas pintadas no asfalto ainda aparente, tachões, pontes e guarda-corpos - parávamos para apreciar e imaginar como deveria ter sido transitar por ali a bordo de automóveis da época, como gordinis, vemaguetes, simcas, fenemês, etc. Um delicioso exercício mental de viagem no tempo.

De volta à Rota 116, às 10h13, levamos uns 20 minutos caminhando pelo acostamento dessa rodovia, até descermos ao antigo leito da Estrada de Ferro Cantagalo (EFC). Desse trecho da estrada, podíamos apreciar melhor a beleza das montanhas, das matas e do céu azul.

Depois da reentrada na mata, em poucos minutos alcançávamos o antigo leito ferroviário. Sem demorar também, chegávamos a um dos mais marcantes atrativos de seu percurso, a caixa-d'água que alimentou as locomotivas a vapor, a partir de 1919, ano de sua construção. Ali se localizava o Posto de Registro, onde, no meio do mato, ainda é possível visualizar suas fundações e outras ruínas.

Enquanto os caminhantes examinavam aquela obra, contei a eles sobre a história dessa ferrovia que foi de extrema importância para o escoamento do café - que antes dela se dava em lombo de mulas - e o consequente desenvolvimento de cidades como Nova Friburgo e Cachoeiras de Macacu, entre outras.

Tendo suas obras iniciadas em 1859, em Porto das Caixas, foi apenas em 1873 que a EFC (também chamada de Leopoldina, resquício da época em que essa e outras linhas foram encampadas por essa empresa, em 1860) subiu a serra, chegando à sua estação final, Portela, em Santa Maria Madalena, três anos depois.

Através de seus 152,5 quilômetros de extensão, a produção cafeeira era transportada para a capital desde o Vale do Paraíba. Em junho de 1964, a linha começou a ser desativada, primeiro entre sua estação terminal e Macuco, e depois entre Nova Friburgo e Cachoeiras de Macacu, no mês seguinte. Em 1973 foi a vez do trecho restante, entre este município e Porto das Caixas.

Além dessas informações, eu ia repassando ao grupo outras variadas - como sobre o Parque Estadual dos Três Picos (unidade de conservação que protege grande parte do roteiro) - e também sobre geologia, geografia e ecologia. E, igualmente, curiosidades sobre a tecnologia utilizada para enfrentar a subida da serra, reputada à época como uma das mais fortes rampas ferroviárias do mundo - como os sistemas Fell (que possuíam um par adicional de rodas instaladas horizontalmente, além das rodas motrizes normais) e as locomotivas Baldwin (com trilho dentado central, cujo único remanescente conhecido veríamos ao final do trecho acessível apenas a caminhantes).

Um pouco mais adiante, em uma erosão no leito ferroviário, podíamos ver um dos poucos trilhos que não foram arrancados por populares e pela própria RFFSA, quando da desativação deste trecho da linha. Também achávamos muitas pedras de carvão mineral, testemunho de florestas fossilizadas de centenas de milhões de anos, importado talvez de minas europeias ou russas e utilizado como combustível das marias-fumaça que trafegaram por ali.

Por volta das 11h, chegávamos à ponte de ferro sobre o Rio Jacutinga, tributário do Macacu, local ideal para o lanche e também para o eventual banho em suas piscinas naturais. No entanto, como a temperatura ainda era bem amena, ninguém quis entrar, mas só ficar apreciando a beleza natural daquele lugar e também da sólida obra de engenharia.

No entanto, o mau estado de conservação do madeirame que foi colocado há algumas décadas ali, por autoridade governamental mais sensível à importância da visitação ecoturística dessa via, não permitia erro, haja vista estar quase toda praticamente caindo aos pedaços.

Apenas uma estreita trilha de tábuas mais novas colocadas sobre uma das longarinas metálicas da ponte permitia a passagem com segurança acima do rio, cuja altura até suas pedras deve ter uns 6 metros. Há coisa de 15 anos atrás, quando vim a conhecer este roteiro, o madeirame desta e da outra ponte (que atravessaríamos daí a pouco) estavam totalmente íntegros. Uma falta de manutenção das mais simples que ameaça o futuro de uma caminhada tão importante como esta.

O abandono do roteiro também se mostra na ausência da devida drenagem das águas pluviais sobre o antigo leito ferroviário, o que vem causando uma erosão cada vez mais grave. Posso assegurar, como planejador ambiental, que este talvez seja o maior fator de degradação desse percurso, em que canaletas de erosão em breve se transformarão em voçorocas (como já é possível observar em alguns trechos), caso não se corrija esse grave e relativamente simples problema.

Paradoxalmente, a mesma erosão que ameaça o futuro dessa caminhada, também expõe, como numa escavação arqueológica, artefatos enterrados há décadas, entre eles: cravos (pregões que prendiam os trilhos aos dormentes), dormentes, trilhos e outros resquícios da equipagem ferroviária.

Às 12h30, chegávamos à belíssima, singela e quase desconhecida ponte em arco, construída quase totalmente em cantaria de pedra e com a técnica romana da pedra angular - onde apenas uma pedra, em forma de cunha no cimo do arco, suporta toda a carga das toneladas de rocha e terra colocadas sobre ela - sem contar o peso das composições férreas.

A mesma é igualmente bela se vista a montante do riacho sobre a qual passa, de dentro (onde é possível caminhar) e a jusante. Tiramos muitas fotos dessa verdadeira obra de arte da engenharia ferroviária oitocentista.

Por volta das 13h, saíamos do trecho mais original dessa travessia - ou seja, aquele mais preservado em termos de engenharia ferroviária e de riqueza ecológica - acessível apenas a caminhantes e ciclistas (mas que praticantes de enduro de moto também utilizam, clandestinamente, já que é proibido o trânsito desses veículos em trilhas do Parque Estadual dos Três Picos, devido à degradação por eles causada).

Como sempre, tiramos muitas fotos da Estação de Pena, que fica logo após essa saída, e ficamos algum tempo descansando nos belos jardins localizados logo depois dela. Neste local, também descobrimos uma piscina de pedras bem abaixo da estação, que era abastecida por água de nascente, hoje desviada. E nos fartamos de comer carambolas enormes e suculentas, retiradas de um pé carregadinho dessa fruta asiática.

Como há casas e outras benfeitorias aparentemente ligadas às administrações ferroviárias da época da encampação daquela linha à Leopoldina e à Rede Ferroviária Federal, ficamos imaginando que algumas delas podem ter servido para veraneio de funcionários de alto escalão dessas corporações, haja vista a qualidade construtiva das mesmas e a amplidão dos jardins, do pomar e das estruturas de lazer e descanso (como a tal piscina, bancos e caminhos). Que prêmio devia ser veranear ali, àquela época das marias-fumaça!

Pouco antes das 14h, passávamos pelo portão que dá início ao terceiro trecho desse roteiro, o da estradinha de chão que hoje ocupa o antigo leito da ferrovia. Tal portão, de ferro e arame, é preso a um mourão que, embora muita gente não se aperceba, é parte fundamental da história da EFC, como já disse acima.

Isso porque ele seja talvez o único remanescente dos trilhos dentados das locomotivas Baldwin, aquelas que substituíram as locomotivas Fell, para vencer apenas o trecho de serra, desde 1883 até a extinção da seção entre Cachoeiras e Nova Friburgo, em 1964. Verdadeira relíquia, de valor incalculável, mas que encontra-se em bom estado de conservação. Oxalá continue assim!

A partir daí, o leito se transforma em estradinha de chão que serve a diversos sítios e pequenas propriedades. Mas que, mesmo assim, ainda guarda muito de beleza e da alma da EFC, em especial na estação (ou posto) de Pindorama, em parte soterrada, e de Agente Maia, invadida.

Chegamos de volta à rodovia, agora em Boca do Mato, exatamente às 15h. Ao invés das outras vezes, em que eu deixava o grupo num barzinho ali perto aguardando eu ir resgatar o Andarilho (a minivan do Ecoando), em Theodoro, de ônibus, preferi experimentar outra forma de finalização da caminhada. 

Esta seria conduzir o pessoal com transporte público até o restaurante Santa Mônica, onde haveria mais conforto, mais beleza e mais qualidade de comes e bebes para os mesmos (sem desmerecer o boteco!), para então eu ir buscar o carro com mais tranquilidade.

Assim, tão logo chegamos ao ponto de ônibus e já encostava a kombi que levaria a todos, de uma só vez, ao restaurante. Não levamos mais de 10 minutos até lá, mesmo tempo que aguardei o ônibus chegar.

Entre esse embarque e a volta até o restaurante, levei menos de uma hora e meia (já que o ônibus sobe lentamente a serra). E ainda deu tempo de fazer uma boquinha no Santa Mônica, pois o pessoal estava curtindo com muita calma sua cervejinha, ou navegando pela internet, ou ainda apreciando a bela vista do Rio Macacu da bela varanda.

Começamos o retorno ainda de dia, por volta das 17h30, chegando a Niterói pouco depois das 19h, com aquela sensação de plenitude e paz que só o contato íntimo com a natureza mais preservada proporciona. E também a companhia de gente sintonizada e alto astral.



Abraços,

Cássio Garcez
Coordenador

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