19/10/2019 - ANOITECER NO COSTÃO DE ITACOATIARA

Foto 1: grupo chegando ao cume do Costão de Itacoatiara.


Após anos de espera, finalmente conseguiríamos rever, através de uma caminhada do Ecoando, um dos mais belos crepúsculos de Niterói. E também descer à noite a interessantíssima trilha desse monolito, como fazíamos frequentemente há muito tempo.

No entanto, isso só foi possível por termos recebido as devidas autorizações da direção do Parque Estadual da Serra da Tiririca (Peset). E também tido o gracioso acompanhamento de um funcionário dessa unidade de conservação. Isso porque, tal atividade ainda não tem seus procedimentos normatizados nas regras de uso público do Parque, o que demanda uma certa mobilização institucional.

Assim, com o grupo completo (cujo limite, de 8 participantes, precisou ter esse número menor que o usual no intuito de atenuar impactos ambientais) e a papelada resolvida, iniciamos a subida, por volta das 16h30. Não sem antes fazer o bate-papo, que incluiu guardas-parque, recomendações de segurança e orientações sobre conduta consciente em ambientes naturais.

No platô Helmut Sick, onde o grupo parou para retomar o fôlego e se preparar para o trecho rochoso, este guia explicou sobre a importância do ornitólogo brasileiro que deu nome àquela parada, falecido em março de 1991, alguns meses antes da criação do Peset. E também sobre as pesquisas do Jardim Botânico naquela área do Parque, um pouco antes, que revelaram mais de 350 espécies de plantas de 100 famílias vegetais, algumas descritas apenas em obras clássicas do Século XIX - ou seja, uma extraordinária diversidade vegetal para espaço tão espremido.

Felizmente não havia mosquitos, apenas uma previsão de chuva para mais tarde - que acabou não se confirmando. E ainda teve gente achando que a caminhada seria cancelada por causa disso e das nuvens... Imagina a frustração?!

Na subida da pedra, o cabo de aço instalado em seu trecho mais inclinado cumpriu bem a função de oferecer mais segurança aos caminhantes e mais proteção à vegetação e à fina camada de solo que fica ao lado da via. Benefícios estes tão óbvios e aceitos como autojustificáveis pelos visitantes, que até nos fariam esquecer da polêmica ligada à sua instalação, em janeiro de 2018.

Fruto da parceria entre o Peset, a Femerj (Federação de Esportes de Montanha do Rio de Janeiro) e o Clube Niteroiense de Montanhismo (CNM), além da aprovação unânime do Conselho Consultivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca, a colocação de tal equipamento de segurança foi duramente criticado e repudiado por grupos e pessoas que o consideravam uma agressão ao ambiente natural. No entanto, o aumento da degradação naquele local em função da visitação crescente e da abertura de atalhos, justificaram largamente a benfeitoria.

Chegamos ao cume de 217 metros de altitude às 17h40 (foto 1). O entardecer estava bastante agradável, com uma brisa leve soprando de sudoeste, nuvens de todos os tipos e algumas aberturas de céu limpo. Ao que tudo indicava, conseguiríamos ver o pôr do sol, talvez um pouco antes do previsto devido a uma faixa de nuvens mais densas no horizonte. 

Dito e feito. Se não fosse por tais nuvens, o sol teria descido sobre o mar, numa peculiaridade que só nosso Estado tem na Região Sudeste (onde o sol costuma se pôr invariavelmente em terra), nessa época do ano.

Mas, mesmo antes do ocaso antecipado, ainda haveria um tempinho para relaxar, curtir as vistas e aprender sobre algumas das diversas informações sobre aquele verdadeiro museu a céu aberto que é o Peset e seu entorno. Como o nome das ilhas e morros, os naufrágios que ocorreram nesse litoral, a lenda do eremita que acendia fogueiras na Ilha Rasa antes da construção do farol (em 1829), a história geológica do lugar e algumas teorias científicas muito doidas e brilhantes, como a dos Refúgios do Pleistoceno.

O espetáculo de verdade começou às 17h50 (foto 2), quando o sol foi mergulhando nas nuvens e desaparecendo totalmente após dois minutos. Ele ainda chegou a lançar alguns raios de uma minúscula brecha, um pouco depois.

Foto 2: o sol se pondo antecipadamente, atrás da faixa de nuvens.

 
Porém, o show posterior de cores e de formas no céu, não deixou nada a dever ao ato principal. Tanto que teve gente que ficou recostada à pedra durante um tempão, em silêncio, só viajando nesse cenário.

Antes do anoitecer, ainda foi possível repassar mais um pouco de informações, como sobre os ataques do corsário César Fournier a embarcações nacionais, durante a Guerra Cisplatina e a poucas milhas da sede da Esquadra Imperial de Guerra, e as ameaças dos U-boats - submarinos nazistas - à navegação de mercantes brasileiros, entre 1942 e o final da Segunda Grande Guerra.

Foto 3: o guia explanando sobre a paisagem. Crédito: André Costa.

 
Como havia cada vez mais nuvens e estávamos próximos a grandes aglomerações urbanas, como Rio e São Gonçalo, a noite não era muito escura. Pelo contrário: a luz das cidades e de seu reflexo naquele teto produzia tanta claridade, que seria possível até caminhar sem lanterna no trecho de rocha - coisa que obviamente não fizemos, por questões de segurança (a não ser em algumas paradas, sem risco, para curtir a sensação da imersão noturna).

Começamos a descida às 19h30, depois dos lembretes de segurança e do pente-fino em busca de objetos ou resíduos eventualmente esquecidos. Ah, e também depois de um exercício do silêncio onde, nos três minutos em que ficamos totalmente quietos em nosso camarote privativo de natureza, alguns de nós parecíamos ter lavado a alma com pedra-pome, tamanho o sentimento de purificação.

Logo na saída, encontramos alguns exemplares de cucujos, ou besouros-de-fogo, ou simplesmente teque-teques (Pyrophorus noctilucus) - ninguém menos que o inseto mais brilhante do mundo, da família Elaterídae, quase sempre confundido com vaga-lumes (estes que pertencem às famílias fengodídeos ou lampirídeos). E o melhor: uma participante foi sorteada por um deles, que pousou em sua blusa, nos dando a chance que precisávamos para observar mais de perto bicho tão curioso.

Continuando a descida, ao contrário do que muita gente havia achado, a caminhada se mostrou bem mais tranquila que a subida. Especialmente para quem tinha medo de alturas, já que a baixa luminosidade atenuava a sensação de amplidão que geralmente agrava os receios de queda e a eventual paralisia por pavor.

Desta forma, caminhando bem devagar, com atenção e sempre com a lanterna acesa, chegamos sãos e salvos de volta ao Platô Helmut Sick, onde nos preparamos para cumprir o trecho final da caminhada, pela trilha, até o portão da subsede. Antes de sair, porém, apagamos nossas lanternas para comparar a luminosidade de dentro da mata com aquela do trecho rochoso.

Levamos exatamente meia hora até o portão (foto 4), onde terminamos a caminhada com a alegria de termos podido visitar uma área natural também à noite e com toda a segurança. Mesmo estando paradoxalmente tão próximos a áreas violentas da Região Metropolitana.

Foto 4: grupo na chegada ao portão da subsede do Peset.

Nossos agradecimentos ao Maurício Castro, diretor do Peset, pela autorização para a realização dessa atividade. E ao André Costa, pelo acompanhamento e a parceria de qualidade.

Veja o relato desta atividade, em: http://www.trilhasdoecoando.blogspot.com. E, para ver as fotos completas, acesse: https://www.ecoando.eco.br/galeria-de-fotos/.

Até a próxima trilha!

Abraços,

Cássio Garcez
Coordenador

Comentários

Postagens mais visitadas