CIRCUITO ECO-HISTÓRICO DO ENGENHO DO MATO - 10/11/2019
Foto 1: caminhantes apreciando a figueira, na primeira etapa da caminhada, no Córrego dos Colibris. |
Iniciamos a
caminhada pouco depois das 8h, com o sol começando a dar o ar da graça entre as
muitas nuvens. Também por causa disso e pela quase total ausência de vento, a
temperatura foi subindo cada vez mais ao longo da caminhada.
Pelo fato
desta ser uma atividade ecossolidária - ou seja, gratuita e arrecadadora de
doações que seriam repassadas à Casa Maria de Magdala - instituição de
assistência social -, cada participante contribuiria (antes ou depois da caminhada)
com 2 quilos de alimentos não perecíveis, como vimos fazendo em eventos como
este no Ecoando, desde o ano passado. No final das contas, conseguimos
arrecadar: 6 quilos de feijão, 3 de arroz, 2 de farinha de mandioca, 2 pacotes
de 500g de macarrão, 7 pacotes de doce e 1 pote de papinha. Aos quais o Ecoando
também incluiria: 10 quilos de farinha de trigo, 10 de açúcar, 10 de arroz, 5
quilos de feijão e 16 rolos de papel higiênico, itens comprados por conta
própria. A prestação de contas foi feita através de fotos, carta de
agradecimento e texto postados na página do Ecoando no Facebook (https://www.facebook.com/pg/ecoando.caminhadas/photos/?tab=album&album_id=2730457696977764)
Voltando à
caminhada, para fugir da muvuca e fazer uma preleção mais tranquila, saímos do
movimentado ponto de encontro em frente ao terminal do BHS e nos dirigimos à
Praça Augusto Ruschi, no Bairro Peixoto, simpático espaço social que foi
conquistado com a força da união e da combatividade de moradores dessa comunidade
de classe média. A mesma de onde saiu grande parte daquelas e daqueles que
contribuíram para a criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca (Peset), na
década de 1990.
Nessa
pracinha, que homenageia o célebre e controverso ecologista, fizemos a apresentação
individual e falamos sobre os objetivos da caminhada e cuidados para ela ser
efetivamente ecológica, além de fazer um aquecimento seguido de alongamento.
Foto 2: o bate-papo na Praça Augusto Rushi. Foto: Jacqueline Ribeiro. |
Terminada o
bate-papo e a preparação física, continuamos caminhando pelas ruas arborizadas
desse bairro, que na realidade faz parte da Zona de Amortecimento do Peset.
Buscávamos a maior proximidade possível com as matas da Serra da Tiririca, além
do acesso à trilha do Córrego dos Colibris.
Antes de
entrarmos na mata, porém, paramos em frente ao Brejo das Pacas - depressão
natural nos limites entre a mata e a rua, onde se acumula água das chuvas. O
objetivo era falar ao grupo sobre a importância dos serviços ambientais
prestados por essa área úmida (entre elas: recarga do lençol freático, atenuação
de enchentes, bebedouro para a fauna), além de mostrar a curiosa interação
entre a embaúba (árvore do gênero Cecrópia) e formigas do gênero Azteca (foto 3).
Foto 3: guia explanando sobre a embaúba, em frente ao Brejo das Pacas. Foto: Jacqueline Ribeiro. |
Assim,
enquanto a árvore fornece abrigo e alimento às formigas, estas a defendem
agressivamente contra animais, numa exemplar relação de mutualismo.
Interessante notar que o nome dessa planta, que vem do Tupi ambaíba, significa
"árvore oca" ou "onde habitam as formigas".
Mas há
outras curiosidades sobre essa espécie multimídia da flora brasileira: ela é
uma pioneira, ou seja, cresce em locais que já foram de alguma forma alterados;
era considerada alimento predileto das preguiças, mas constatou-se na realidade
que a suposta preferência estava no fato de que era mais fácil visualizar esses
animais no longo caule da planta do que em outras; a mesma é usada como
fitoterápico, especialmente como hipertensiva; etc. Quem quiser mais
informações sobre a embaúba, este artigo é bem abrangente e simpático: http://conexaoplaneta.com.br/blog/embauba-arvore-amiga/.
Na entrada
da trilha do Córrego dos Colibris, propus a quem quisesse fazer o tradicional pedido
de licença em atividades do Ecoando, em matas e outros ambientes naturais, seja
para aqueles que eventualmente possuíssem alguma crença, seja para ateus ou
agnósticos que aceitassem o pressuposto de que essa mentalização poderia
incrementar a interação psicossensorial com a variedade de estímulos presentes
nesse lugar.
Fomos
primeiramente em direção à Figueira, na bifurcação à direita, passando pelos
tanques que supostamente foram construídos para servir ao abastecimento de
loteamentos próximos. Ao chegarmos naquela, ficamos algum tempo contemplando a
beleza da enorme árvore que cresceu abraçando um matacão rochoso (foto 1).
Depois
disso, pegamos o caminho do Poço dos Colibris, onde também paramos para
apreciar a beleza daquele local, além de fazer um nutritivo exercício do
silêncio.
Neste lugar,
contei a história da criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca, cujo
Córrego dos Colibris e a comunidade do entorno foram decisivos nesse processo -
assim como a participação do promotor público João Batista Pettersen. Aqueles,
ao saberem dos planos de uma construtora em ocupar a área com um loteamento ilegal,
se mobilizaram, fizeram denúncias no Ministério Público e conseguiram, por meio
de Pettersen, criar a primeira Ação Civil Pública no país.
A partir
daí, ganhou força um movimento de proteção das matas tiririquenses (cuja origem
pode ser identificada ainda nos anos de 1960, na luta de sitiantes contra
grileiros e construtoras) que acabou motivando a ONG Cidadania Ecológica a
apresentar uma proposição que serviu de base ao Projeto de Lei que criou o
Parque, em 29 de novembro de 1991. Um movimento totalmente pioneiro e
participativo, já que antes todas as unidades de conservação eram elaboradas e
criadas unicamente pelo poder público.
Por volta
das 10h, saímos da proteção das matas dos Colibris, passando agora ao trecho
mais urbano da caminhada.
Numa
marcação direcional da Rota Darwin (foto 4), expliquei sobre essa proposta de trilha de
longo curso, entre Niterói e Maricá, que integra o Sistema Brasileiro de
Trilhas de Longo Curso (http://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-geral/9532-trilhas-de-longo-curso-conectam-paisagens-do-brasil-2).
No caso, toda a marcação indicativa de Niterói foi feita pelo chefe do Parque Natural
Municipal de Niterói (Parnit), Alex Figueiredo, junto com voluntários. Ao todo,
serão 74 quilômetros
de caminhada entre esses dois municípios, interconectando paisagens históricas,
meio ambiente e cultura.
Foto 4: guia explicando sobre a Rota Darwin. Foto: Jacqueline Ribeiro. |
Ao
entrarmos no Loteamento Vale Feliz (foto 5), comecei a contar a complexa história da
Fazenda Engenho do Mato, antiga Fazenda do Mato (cujo primeiro registro é de
1779), a qual abarcou praticamente todo o bairro que herdou aquele nome.
No caso, o
loteamento onde estávamos foi a última gleba a deixar conceitualmente de ser
fazenda, unicamente talvez por causa da perseverança de Irene Lopes Sodré em
continuar tocando a sua parte como propriedade rural, após o desquite com Fábio
Lopes Sodré.
Foto 5: bouganvílea florida em rua do loteamento Vale Feliz, área da antiga Fazenda do Engenho do Mato. |
Irene, que
foi educada na Inglaterra e era descendente do Barão de Mauá, segundo pesquisas
da historiadora Lúcia Velasco (de onde tiramos a maior parte das informações
aqui veiculadas sobre o Engenho do Mato), havia comprado a fazenda junto com o
marido, em 1933.
O desquite
aconteceu em 1939, quando o casal divide a propriedade entre si, ficando ela
com a parte sul (incluindo a sede, outras benfeitorias e os futuros loteamentos
Jardim Fazendinha e Vale Feliz) e ele com a parte norte (onde está o lugar
conhecido como Mangueirão e os loteamentos Jardim Fluminense e Soter).
Assim que
pode, Fábio loteia sua parte das terras, seguindo a tendência que viraria febre
na área alguns anos depois, com a reanexação de Itaipu a Niterói (sim, de 1892 a 1943 Itaipu pertenceu
a São Gonçalo!).
Já Irene
vai buscando manter não apenas as atividades originais da fazenda - como o
cultivo de cana para produção de açúcar e aguardente, de hortigranjeiros, de
banana e a extração de madeira e carvão -, mas também inserindo outras - como
mineração de caulim e construção de olaria (em que parte da produção de tijolos
refratários teria sido destinada à Companhia Siderúrgica Nacional). Tudo isso
tendo como aliados trabalhadores que em grande parte viviam em sítios e casas
dentro da área da fazenda, seja como meeiros, arrendatários ou sitiantes, alguns
antes mesmo da compra da propriedade pelo casal.
No entanto,
talvez devido às dívidas que se acumulavam, aos desgastantes encargos em tocar
sozinha uma grande fazenda e aos aborrecimentos causados por época tão conturbada
(Segunda Guerra Mundial), Dona Irene adoece de câncer do sistema linfático,
vindo a falecer um ano após tentar a última cartada para se livrar das dívidas:
a criação do loteamento "Chácaras do Engenho do Mato", o qual
posteriormente viria a se chamar Vale Feliz.
Com a morte
de Irene, as atividades rurais da fazenda também tiveram fim definitivo.
Os
herdeiros continuaram tocando a instalação daquele e de outro loteamento - o
Jardim Fazendinha -, ao repassar para terceiros sua instalação, reunidos na
Terrabraz (empresa que teria a propriedade total das terras, em 1953).
Esse
processo de transformação de propriedade rural em área urbana, no entanto, desconsiderou
completamente os direitos de moradia dos trabalhadores que habitavam aquelas
terras há décadas, os quais assim passaram a ser acusados, injustamente, de
invasores.
Este fato
ocasionou conflitos tão sérios entre empreendedores do loteamento, donos de
lotes, sitiantes, invasores de fato e grileiros (estes dois que se aproveitaram
da concordata e posterior falência da Terrabraz para ocupar várias áreas da
antiga fazenda), que em 1962 foi proposto o Plano de Ação Agrária (PAA) pelo
governador Roberto Silveira, em áreas não loteadas da fazenda. O objetivo era o
de aplacar os ânimos, resolver o imbróglio e manter os agricultores em suas
posses, além de continuar a produzir gêneros alimentícios a poucos quilômetros
das áreas mais adensadas de Niterói.
Considerada
como a primeira iniciativa de reforma agrária em Niterói, o PAA, de autoria do
engenheiro florestal Irênio de Matos Pereira (nome da Pracinha do Engenho do
Mato, foto 6), previa uma série de benefícios sociais tão revolucionários (como
assistência técnica permanente aos assentados, benfeitorias de usos comum -
estrumeira, silos e instalações de criação de animais -, assistência médica e
odontológica, escola para filhos dos lavradores, cinema e biblioteca
itinerantes, entre outros) que isso pode ter motivado governantes que vieram
com a ditadura civil-militar de 1964
a não implementaram a iniciativa.
Essa
vastidão de informações e outras eu ia tentando sintetizar o máximo possível
para repassar aos participantes sem bombardeá-los e a medida em que íamos
caminhando pelas ruas do Vale Feliz e do Jardim Fazendinha. Justamente os
locais onde houve e ainda há conflitos pela posse da terra.
Terminamos
a caminhada às 11h30, em frente às ruínas da sede da antiga Fazenda do Engenho
do Mato, comentando sobre o triste fim da construção que deu nome a um bairro
inteiro. E sobre o paradoxo entre a riqueza de informações desse lugar e o
quase total desconhecimento delas por moradores. Algo que tentamos atenuar,
pelo menos simbolicamente, com essa atividade mais inclusiva e gratuita.
Foto 6: explicação final da saga da Fazenda do Engenho do Mato na Praça Irênio de Matos Pereira, engenheiro florestal responsável pela elaboração do Plano de Ação Agrária. Foto: Jacqueline Ribeiro. |
Veja mais
fotos dessa caminhada, em: https://www.ecoando.eco.br/galeria-de-fotos/.
Até a
próxima trilha!
Abraços,
Cássio
Garcez
Coordenador
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