CACHOEIRAS NO SANA - 14/03/2020

Foto 1: ecoandistas descendo a Cachoeira do Escorrega, no Circuito das Águas.



Embora a recomendação das autoridades estaduais de saúde para o distanciamento social tivesse sido publicada no dia anterior, como medida de prevenção à Covid-19, havia dois médicos inscritos nessa atividade - uma pediatra e um homeopata -, que avaliaram ser ainda suficientemente seguro manter a mesma, desde que seguidos os devidos cuidados preventivos (como lavar as mãos com frequência, passar álcool em gel, etc.).

Por isso e com a concordância dos outros participantes, resolvi não cancelar este passeio. No final das contas, deu tudo certo e ninguém pegou a doença (já que escrevo este diário de trilha quase um mês depois da data, sem que ninguém tenha apresentado os sintomas).

Assim e já cientes de que talvez viéssemos a ficar um bom tempo sem colocar os pés na trilha depois desta, passamos a valorizar ainda mais a oportunidade, já na raspa do tacho.

Iniciamos a atividade bem cedo, de madrugada, buscando o pessoal em casa com o Andarilho (a minivan do Ecoando). Saímos de Niterói antes das 6h, levando apenas duas horas até o Arraial do Sana, distrito de Macaé, um tempo excelente de viagem em função do pouquíssimo movimento nas estradas.

Foto 2: contrastes nítidos do início ensolarado de dia, no Sana.


A manhã estava ensolarada e limpa (foto 2), em razão das chuvas que vinham caindo consistentemente nos últimos dias. Isso também indicava que os rios estariam mais cheios e as trilhas também mais escorregadias, o que acabou não sendo problema, por causa das novidades no Circuito das Águas, o roteiro que iríamos fazer.

Foto 3: o buracão ao lado da estreita e lamacenta passagem, com o Andarilho (a minivan do Ecoando) ao fundo.


Problema mesmo foi ter que passar com o Andarilho por um corredor lamacento e escorregadio, entre um buracão e barranco à margem do Rio Sana (foto 3), entre Barra do Sana e o Arraial. Diante do risco de ficarmos atolados, parei o veículo, avaliei a situação e pedi para todos desembarcarem. Só então arrisquei a passagem, sozinho e orientado por trabalhadores que fechariam o tal buraco daí a pouco. O carro sambou, quase perdi seu controle, mas passou são e salvo. Ufa, que estresse! Agora era só reembarcar o povo - com as botas bem enlameadas - e seguir viagem. Chegamos ao centinho urbano de Sana 10 minutos depois desse episódio, onde estacionamos numa rua menos movimentada para começar a caminhar.

O Sana Circuito das Águas trata-se de uma organização que congrega proprietários de sítios no vale do rio Peito de Pombo, assim como prestadores de serviços, que já há alguns anos passou a ordenar a visitação às suas cachoeiras e poços (Sete Quedas, do Pai, da Mãe, do Filho, Borboletas, da Gruta e do Escorrega), e também ao Pico do Peito de Pombo. Antes a mesma ocorria de forma livre e não raras vezes caótica, como pude observar, no final do século passado, numa visita exploratória ao local: entrada de pessoas alcoolizadas e portando garrafas de vidro, muito lixo espalhado pelo caminho e recantos, nenhuma estrutura de apoio e de informação, etc.

Hoje, com o ordenamento, a situação é outra, inclusive no que se refere à segurança.

Desde 2017, segundo o site do Circuito das Águas, não aconteceu nenhum acidente grave. Isso porque, além do controle de entrada, há em determinados pontos do roteiro (especialmente nas cachoeiras) equipes formadas por jovens moradores, que fazem o atento monitoramento do local. As mesmas são treinadas em primeiros socorros e salvamento, além de aparelhadas com equipamentos de comunicação e resgate, o que permite inclusive ações preventivas contra cabeças d'água (fenômeno em que chuvas intensas nas cabeceiras dos rios fazem elevar de forma abrupta o nível das águas, podendo causar acidentes e mortes).

No posto de controle, bem no início da trilha, o visitante adquire seu ingresso (que custa 10 reais e vale das 8h às 16h ou 17h, horário de funcionamento do circuito) e recebe, além de uma pulseira de plástico, informações e esclarecimentos sobre o lugar, seus atrativos e cuidados que se deve ter (como o de não entrar nas cachoeiras mais perigosas). Em caso de risco de cabeça d'água, o horário de fechamento pode ser antecipado.

 No entanto, a trilha que eu conhecia e que foi a mesma durante décadas (correndo pela margem direita do Córrego Peito de Pombo, na perspectiva de quem olha rio acima), tinha sido substituída por outra, correndo pela margem oposta e aberta há cerca de apenas 5 meses.

Segundo dois monitores que indaguei, isso seria devido a desavenças entre sitiantes, que decidiram impedir a passagem dos visitantes por suas terras. Já outros dois explicaram que tal mudança tinha tão somente o objetivo de garantir o bem-estar e a segurança dos visitantes. De qualquer maneira, parece que a alteração teve mais ganhos do que perdas, já que o caminho aparentava estar melhor cuidado, com estruturas que antes não existiam (como banheiros, corrimãos e pontos de apoio).

Foto 4: ecoandistas apreciando a Cachoeira Sete Quedas.


Eram pouco mais de 8h30, quando começamos o circuito, caminhando sem parada até a cachoeira mais alta, a Sete Quedas (foto 4), que chegamos depois de exatamente uma hora de caminhada bem pausada e praticamente deserta. Só encontrávamos monitores pelo caminho - a maior parte dos quais curiosamente não respondendo aos nossos cumprimentos. Ficamos tentando entender se esse comportamento tinha alguma relação com o recato típico de gente de interior ou se era simples falta de treinamento sobre como lidar com o público.

Foto 5: o Peito de Pombo visto da trilha.


Da trilha, às vezes víamos o Pico do Peito de Pombo (foto 5), por entre a mata, mas só no início. Algumas horas depois, ele sumiu em meio às nuvens que indicavam chuva para a tarde.

À medida em que caminhávamos (e também no deslocamento rodoviário), eu ia compartilhando com o grupo informações variadas sobre o lugar, como sobre o fato de Sana estar completamente contido em uma APA (Área de Proteção Ambiental), ter sido ocupada por quilombolas (Quilombo Carucango) e por suíços evadidos da pioneira e trágica experiência da colônia de Nova Friburgo, entre outros. E, claro, também sobre as quatro versões - ou suposições - para a origem do topônimo, que teriam a ver com: uma planta da região, o europeu Rio Sena, o sobrenome de um colonizador suíço e um pássaro.

A Sete Quedas, mais cheia que o normal, estava por isso ainda mais bonita - e também mais perigosa. Assim como as cachoeiras do Pai e da Mãe, mais assustadoras que o normal. Ali, onde existe um circuito de "bodycross" (onde o banhista vai se deixando levar pelo fluxo, sem bóia) só para frequentadores experientes, sequer estes poderiam entrar segundo os monitores, devido ao maior volume de água.

Desta forma, fomos apenas seguindo a trilha que acompanha essas cachoeiras e apreciando-as de determinados mirantes, até chegarmos à laje rochosa ao lado da Cachoeira da Mãe (foto 6), a jusante (ou seja, rio abaixo). Lá poderíamos nos banhar no remanso que fica logo depois dela, lugar devidamente seguro e bem monitorado.

Foto 6: nossa chegada à laje ao lado da Cachoeira da Mãe.


Chegamos a este recanto às 9h45, quando só havia os monitores. Mas, não demorou 15 minutos e começou a chegar gente. Por sorte, pudemos aproveitar bem o banho de rio e de sol, sem aglomerações. Permanecemos uma hora lá, partindo depois para os poços das Borboletas e da Gruta, que chegamos depois de 15 minutos de caminhada.

Mais uma vez, estes recantos estavam quase desertos quando chegamos, passando a receber outros visitantes daí a poucos minutos.

Foto 7: a travessia do Poço das Borboletas para a trilha do Poço da Gruta.


Como os dois poços são mais sombreados, característica ainda mais destacada com o sumiço do sol atrás do teto de nuvens, muita gente não quis entrar. Também a precária e molhada travessia de rio para se chegar ao Poço da Gruta (foto 7), pode ter contribuído para desanimar esse pessoal. Por isso ficamos apenas meia hora lá, partindo para o último poço - do Escorrega (foto 1) - logo a seguir.

Como havia dois novos acessos a este recanto, diferentes daqueles que eu conhecia quando a trilha era do outro lado, experimentamos descer pelo mais alto para depois seguir pela margem do rio até o ponto principal do atrativo, onde as pessoas fazem um "esquibunda" que termina em ampla piscina natural. No entanto, como a superfície da trilha entre esses dois pontos era rochosa e estava bem escorregadia - o que ocasionou um tombo, felizmente sem gravidade - retornamos e acessamos o poço pela trilha de baixo.

Mas o cenário neste local não era dos mais animadores, pelo contrário: havia dezenas de pessoas aglomeradas em pequenos grupos, próximos ao escorregador natural. Por isso, escolhemos um lugar suficientemente distante da muvuca e entramos na água evitando o máximo possível a proximidade com aquelas pessoas. Isso não apenas como forma de prevenção contra a Covid-19, mas também porque esse é comportamento normal de nossos grupos, que buscam a paz, a sensação de espaço e a maior integração possível à natureza. Embora tenha sido difícil manter o distanciamento social daquela multidão, conseguimos.

Alguns de nós arriscamos descer pelo escorregador (foto 1), outros ficaram só olhando. E todos nos escandalizamos com o número cada vez maior de pessoas que iam chegando e se amontoando naqueles determinados pontos, o que nos fez querer sair logo dali. Eram 11h45 quando recomeçamos a caminhada, que terminou meia hora depois, no Andarilho.

Como o tempo ainda estava razoavelmente firme - embora já tivesse chuviscado -, ofereci uma canja para o pessoal: tentar conhecer a Cachoeira das Andorinhas, nas Cabeceiras do Sana, outro lugarejo há aproximadamente 7 quilômetros serra acima, a caminho do Frade. Todos toparam na hora, mesmo sabendo que poderíamos ter que retornar a qualquer momento - tanto em função da meteorologia, quanto das condições do caminho. E também pelo fato de eu nunca ter ido lá, como esclareci ao pessoal.

Foto 8: vista das belas paisagens da subida da serra, em direção às Cabeceiras do Sana, tomadas de dentro do Andarilho.


Com os participantes cientes das potencialidades e ressalvas dessa aventura não programada, embarcamos no Andarilho e lá fomos nós, subir a serra (foto 8).

Apesar de haver trechos mais lamacentos, conseguimos chegar a uns 2 quilômetros apenas do início da trilha para a cachoeira, tendo sido no entanto impedidos por um trecho de sucesso duvidoso, especialmente na eventual volta. Daí, juntando com o horário avançado, com a iminente possibilidade de chuva e com o cansaço que alguns já estavam sentindo, tive que tomar a difícil decisão de abortar a empreitada, mesmo tão próximos ao objetivo. Felizmente e novamente todos compreenderam e apoiaram a decisão.

Foto 9: belo trecho da estrada, na bifurcação para a Cachoeira das Andorinhas.


Por fim, como prêmio de consolação àquela frustrada tentativa, guardamos na memória as belíssimas paisagens do lugar (como as matas bem preservadas e salpicadas de árvores floridas de amarelo e lilás, no topo dos morros), as pitorescas histórias do Carlos (Calico) e muitos papos-cabeça. Ou seja, valeu à pena cada quilômetro de terra, buraco e lama percorrido com o grupo (foto 9).

Como para baixo todo santo ajuda, o retorno ao Arraial foi bem mais fluído. Chegamos de volta ao Sana às 15h, indo direto ao Restaurante Alquimia, onde escolhemos mesas suficientemente isoladas das outras para aplacar nossa já incômoda fome. Pedimos inhoques de aipim - especialidade do lugar - e também truta, deliciosos. E brindamos ao belo passeio e às ótimas companhias com cerveja e refrigerantes (foto 10).

Foto 10: grupo celebrando a atividade e as boas companhias com comida gostosa e bebidas geladas, no Alquimia.


Enquanto almoçávamos, a chuva começou a cair, se mantendo em alguns momentos mais forte até depois de nossa saída, por volta das 16h. Na estrada, ela ia e vinha, cessando por completo só a partir da Niterói-Manilha - onde vimos um espetáculo de cores, com os últimos raios de sol tingindo nuvens de dourado e carmim, em contraste com nesgas de céu azul (foto 11).

Foto 11: o festival de cores em final de tarde, na estrada de volta.


Chegamos sãos e salvos em casa, pouco depois das 18h, com as baterias ainda mais providencialmente recarregadas.

Ainda mais providencialmente sim, porque a contemplação de belas paisagens, a caminhada em meio à natureza, o banho de rio, a companhia de pessoas sintonizadas e alto-astral, o compartilhamento de informações de qualidade, o bom papo, as gargalhadas e a boa comida sorvidas intensamente nessa atividade, se mostrariam um conjunto de recursos ainda mais valioso que o usual para nos ajudar a enfrentar o difícil e necessário período de isolamento social, que estava só no início.

Depois dessa caminhada e seguindo as restrições cada vez mais rigorosas de quarentena preconizadas pelas autoridades sanitárias, cancelamos o restante da programação de atividades do Ecoando.

Entretanto, mesmo sem nossa principal fonte de renda, não paramos de trabalhar. Pelo contrário: continuamos a fazer normalmente tarefas burocráticas, pesquisa, planejamento e atendimento ao público. Além de tentar aproveitar da melhor forma esse tempo de introspecção, reflexão e de necessária reorientação de prioridades.

Por isso, a partir daqui, obviamente haverá uma grande pausa na publicação dos diários de trilha de nossas atividades, em função dessa parada na programação, que torcemos que não seja tão longa.

Por isso também, aproveitamos para enfatizar a nossos leitores sobre a importância de não se adiar a decisão de participar de nossas caminhadas, entre outras atividades. Quem se deu conta disso agora, durante a pandemia, deve estar se mordendo de arrependimento. 

Investir em experiências - como as proporcionadas pelo Ecoando - traz maior sensação de felicidade e bem-estar do que em coisas. Lembre-se bem disso, quando acabar a quarentena.

Cuide-se bem, leitor. Estaremos te aguardando quando esse pesadelo tiver acabado.

Veja mais fotos desse e de outros passeios do Ecoando, em: https://www.ecoando.eco.br/galeria-de-fotos/.

Abraços,

Cássio Garcez
Coordenador

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